português  česky 

Pesquisa avançada
na_celou_sirku
Photo: Fotografie z rodinného archivu A. V. Friče
Recomendar o artigo Imprimir Decrease font size Increase font size

Alberto Vojtěch Frič, etnógrafo, botânico e fotógrafo


 
Viajante, etnógrafo, botânico, fotógrafo, publicista e pensador peculiar, Alberto (Vojtěch em tcheco) Frič (1882–1944) veio de uma família bem conhecida de patriotas, família essa que marcou profundamente a vida política, cultural e científica da sociedade tcheca desde os meados do século XIX.

O seu avô, Josef František Frič, assim como o seu pai, Vojtěch Frič, foram advogados e políticos respeitados; o tio Antonín Frič participou na fundação do Museu nacional checo; o primo Josef Jan Frič fundou o observatório astronômico em Ondřejov, etc. A família da sua mãe Růžena Švagrovská apoiou igualmente, no século XIX, vários eventos patrióticos e conta-se entre os mais importantes mecenas da criação musical, artística e literária tcheca. Entre a sua prole também encontramos nomes conhecidos - por exemplo, Mac Frič - cineasta, Ivan Frič - operador de câmara, Pavel Frič - fotógrafo de arquitetura, Vojtěch Frič - produtor de cinema ou Jan Frič -  no Teatro nacional em Praga.

            A. V. Frič chegou na América do Sul graças ao seu interesse pelos catos que, para os lavradores da Europa na virada dos séculos XIX e XX, ainda constituíam algo raro. Ainda estudante, conseguiu acumular em Praga uma das maiores coleções europeias de plantas exóticas e tornou-se num especialista reconhecido a nível internacional. Preparando-se para o exame final na escola secundária, Frič não prestou a atenção habitual às suas estufas e, numa única noite invernal de fevereiro de 1899, a coleção inteira foi destruída pela geada. Em 1901, com a idade de dezoito anos, partiu para o Brasil para encontrar uma base botânica para a nova coleção. A estadia de um ano acabou por ser uma dura prova para o jovem viajante, mas também uma escola de vida. Numa canoa índia, partiu de São Paulo e navegou pelo rio Tietê e seus afluentes até Mato Grosso e depois de um encontro com os indígenas o interesse botânico foi substituído pelo entusiasmo etnográfico. Um acidente grave acabou por   fim às suas aventuras na selva: Frič foi atacado por um jaguar. No início dessa primeira viagem, a pedido de sua mãe, foi procurar e encontrou em Salvador da Bahia o túmulo de uma amiga da família, Klementina Kalašová – uma diva da ópera de fama mundial que morreu de febre amarela durante uma digressão pelo Brasil.

(para saber mais sobre o tema vide https://www.irozhlas.cz/kultura_hudba/brazilsky-salvador-pocti-ceskou-operni-hvezdu-19-stoleti-klementinu-kalasovou_201506112050_mkopp)

            Logo depois, passaria os anos de 1903–1913 com os indígenas. Realizou três viagens de exploração no território atual da Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai. Entre os exploradores europeus da época destacou-se pela abordagem humanista aos povos indígenas, pela compreensão das suas mentalidades e pela arte de comunicar com eles, contexto no qual acabou por elaborar dicionários de 36 línguas indígenas. Graças a isso, durante as suas estadias de longa duração, sobretudo em Gran Chaco e Mato Grosso, acumulou rico material etnológico escrito e pictórico; registou por exemplo, as mitologias autênticas de numerosas tribos, práticas xamanistas, rituais tradicionais ou escrita pictográfica. Os seus conhecimentos sobre o modo de vida quer dos indígenas quer dos colonos, do Pantanal à Patagónia eram acompanhados por rica documentação fotográfica. Deu voz aos direitos dos indígenas e lutou para preservar a sua cultura. Para os museus do mundo inteiro conseguiu milhares de objetos etnográficos cuidadosamente identificados: as suas coleções encontram-se atualmente sobretudo em São Petersburgo e Washington, parcialmente também em Praga, Berlim, Viena, Buenos Aires etc. Contribuiu de forma importante às pesquisas geográficas dos territórios inexplorados no interior do continente da América do Sul (por exemplo, foi o primeiro a mapear o rio Pilcomayo), realizou as escavações arqueológicas sambaquis na costa brasileira, dedicou-se de forma intensiva aos estudos etnológicos e apresentou os seus trabalhos de campo no âmbito de todos os congressos americanistas do início do século XX. Em 1905 salvou a sucessão de Guido Boggiani, pintor e etnógrafo italiano, incluindo os seus negativos fotográficos ímpares. Na América trabalhou como jornalista, correspondente da pampa e repórter de guerra.

            Com a sua atitude intransigente em relação à hipocrisia, mentira e diletantismo na ciência, mas também com o seu comportamento direto e linguagem jornalística acutilante, acabou por fazer muitos inimigos entre figuras influentes dos círculos profissionais e políticos. Talvez a reação mais agitada tenha sido provocada pela sua atitude em relação ao conflito entre os indígenas e os imigrantes europeus no estado brasileiro de Santa Catarina. Nos anos de 1906 a 1908, mandatado pelo governo brasileiro, estudou as razões dos conflitos armados entre os indígenas Kaingán (Xokleng ou "bugres") e os colonizadores alemães ("colonos") da região de Blumenau. Sendo Europeu e  germanófono (cidadão da monarquia austro-húngara) e ao mesmo tempo especialista reconhecido na problemática indígena deveria propor uma solução para a situação que era crítica. Após uma pesquisa diligente veio com a ideia de fundar uma reserva e publicou os seus conhecimentos sobre as terríveis  práticas de imigração baseadas no genocídio das tribos. A parte alemã considerou isso como um ataque nacionalista tcheco e os museus alemães e o público especializado terminaram toda e qualquer cooperação com Frič.

(para saber mais sobre o tema vide por exemplo: http://cadaumnasualua.blogspot.cz/2017/06/vo-mata-esse-bugre-os-conflitos-entre.html)

            Durante a primeira guerra mundial (1914–1918), Frič viveu na Europa; no entanto, por motivos de saúde, fragilizada pelas estadias na selva, acabou por não ser recrutado. Após a fundação da Tchecoslováquia realizou uma missão de promoção ao serviço do novo estado (1919-1920) pelo Brasil, Argentina e Uruguai, e contribuiu muito para a sua popularidade nesses países. Dedicou toda a sua vida à promoção da América do Sul na Boémia: considerou até sua obrigação moral informar o público e os interessados em viajar ou emigrar sobre as suas experiências e as possibilidades que podem explorar do outro lado do oceano. Nos anos 20 do século XX foram numerosos os tchecos que, querendo deslocar-se para a América do Sul, entraram em contacto com Frič, pessoalmente ou por escrito, para pedir conselhos.

            Em 1923 realizou uma expedição botânica ao México e os artigos publicados sobre essa viagem tal como o grande número de descobertas ímpares aí realizadas inspiraram na Europa interesse sem precedentes nos catos. No entanto, devido a más experiências com os coletores comerciais dessas plantas, começou a esconder os sítios onde se encontravam os catos bem como os itinerários exatos das suas viagens. Sabemos pelo menos que em 1927 viajou da Patagónia a Tucumán através de Santiago, Chaco, Corrientes e Cordilleras até Buenos Aires e acumulou uma quantidade impressionante de sementes e catos, bromélias e orquídeas vivos. A última viagem, realizada entre os anos de 1928 e 1929, foi de Buenos Aires ao noroeste, à região das montanhas que se situam na fronteira entre Argentina, Chile e Bolívia, local onde realizou descobertas botânicas importantes (por exemplo Rebulobivia einsteinii), que superaram todas as suas expectativas e foram sensação nos círculos da especialidade.

                       Nos anos trinta e quarenta dedicou-se na sua pátria ao cultivo e à genética, e nas suas estufas experimentais, em Praga, criou as novas espécies de plantas com recurso à enxertia, ao cruzamento e à irradiação. Depois de perder em 1939, devido à geada, a maior coleção de catos existente no mundo à época (mais de 40 000 plantas), transferiu o seu interesse para a cultura de espécies variadas. Nessa altura também publicou muito, não só textos especializados sobretudo artigos científicos, mas também artigos de caráter popular e contos destinados à juventude e ao vasto público. Aproveitou as suas memórias também para os seus livros: várias gerações de leitores adoraram os títulos Tio índio (Strýček indián, 1936), Índios da América do Sul (Indiáni Jižní Ameriky, 1942), Caçador comprido (Dlouhý lovec, 1943), Ilha das cobras (Hadí ostrov, 1946) e Cherwuiche ou De Pacheco a Pacheco através da Europa central (Čerwuiš aneb Z Pacheka do Pacheka oklikou přes střední Evropu, 1943 nas revistas; primeira edição do livro 1995). Após esta vida cheia de aventura e viagens sem fim, as bactérias do tétano foram fatais para este explorador ousado de territórios tão distantes: um pequeno corte feito num prego ressaltando da coelheira que tinha no quintal da sua casa, e a doença progrediu rapidamente. Morreu a 4 de dezembro de 1944 em Praga.

TIO ÍNDIO (1921; 1935) é o primeiro dos três emocionantes contos onde podemos tomar contacto com os próprios destinos de Frič. Uma história sobre um misterioso tesouro índio e um jaguar antropófago, que não é apenas um texto fascinante cheio de aventura que encantou já tantas gerações de rapazes, mas também uma fonte preciosa de conhecimentos sobre a vida das pessoas no limiar do misterioso Gran Chaco, na fronteira entre o Brasil e o Paraguai há mais de cem anos.

CAÇADOR COMPRIDO (1935) é outro dos contos através dos quais A. V. Frič conseguiu revisitar as suas memórias sobre a selva da América do Sul do início do século XX, onde os orgulhosos chefes índios ainda estavam determinados a proteger as suas terras e onde a palavra do caçador valia mais de que a lei. Naquela altura, as terras dos índios brasileiros Kadiwéu, junto às montanhas da serra Bodoquena estavam cheias de animais selvagem, os pântanos escondiam a rara brancura das garças e a pele do jaguar era moeda corrente nas tascas do porto. No entanto, os colonizadores brancos eram persistentes e com eles chegaram também as armas traidoras, aguardente, doenças e morte...

ILHA DAS COBRAS (1947) foi um dos lugares visitados por A. V. Frič durante a sua terceira viagem (1906–1908). Perto do porto de Antonina, no estado brasileiro do Paraná e nos arredores de Florianópolis, a capital do estado Santa Catarina, descobriu colinas maravilhosas chamadas sambaqui, feitas de conchas de ostras, húmus, cinza; encontrou também vestígios dos antigos habitantes primitivos da costa. Os maravilhosos aterros pré-históricos não são o único segredo desta história emocionante. O estrangeiro comprido com as suas descobertas surpreendentes vai perturbar a vida calma da aldeia de pescadores e ele próprio vive inúmeras aventuras inesperadas... Frič escreve o último conto desta trilogia para a juventude de forma atraente e, além das suas memórias, incorporou também numerosas opiniões originais e observações incomuns sobre a natureza brasileira e os   habitantes locais.

CHERWUICHE ou de Pacheco a Pacheco através da Europa central (3a edição 2011). A história autêntica do explorador A. V. Friče leva-nos aos anos de 1908-1910, quando foi acompanhado a partir do interior do Paraguai à Boémia pelo índio da tribo Chamacoco. Depois de um ano voltaram ambos à América do Sul e trouxeram ao povo do Cherwuiche o medicamento contra a doença misteriosa por causa da qual toda esta aventura começara. As histórias tragicómicas de um "selvagem" na civilização são relacionadas com questões gerais sobre a perda da identidade na sociedade moderna. O livro está cheio de fotografias originais que ilustram e confirmam a história de forma quase cinematográfica.

Texto: Yvonna Fričová

Fotografias: Arquivo da família de AVFrič

 

Galeria


ALBERTO VOJTĚCH FRIČ